terça-feira, 5 de maio de 2009

Augusto Boal morre no Rio de Janeiro

No sábado, no início do ensaio, o Domingos disse: o Boal m%)*3u. O domingos fala de um modo que as vezes é difícil de decifrar. Quando diz um texto, interpreta, não; aí ele é surpreedentemente claro: um vigor-ator mais se eleva. No caso não havia vigor, e alguém, isto sempre acontece, pediu - incrédulo - que ele repetisse: "o Boal morreu".


ATIVISTA TEATRAL

Foi no Thèatre de Ville, em Paris, que Augusto Boal celebrou, na sexta-feira 27 de março, o Dia Mundial do Teatro. Homenageado pela Unesco, o diretor, dramaturgo e ensaísta brasileiro via o trabalho que realiza desde os anos 1960 ser mundialmente aplaudido.

O Teatro do Oprimido, o método que Boal desenvolve desde os anos 1960, é tão conhecido quanto impalpável. Muita gente já ouviu falar dele. Mas o que é, de fato, esse teatro que se propõe a ser, a um só tempo, arte, ação social e movimento político?

Boal, ex-integrante do Teatro de Arena e escritor incansável, diz, na entrevista a seguir, que se trata de uma ação capaz de transformar a sociedade e de fazer à estética dominante.

Em poucas palavras, como o senhor definiria o Teatro do Oprimido?

Defendemos que todos nós podemos fazer teatro, que todos podemos ser personagens, de fato, de nossas próprias vidas.

Por que temos de seguir a estética determinada pela classe dominante? O Teatro do Oprimido traz consigo a estética do oprimido. Ou seja, queremos que as pessoas retomem suas próprias palavras, imagens e sons.

Na prática, isso significa o que?

Significa compreender que, hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores.

O que a televisão oferece é um crime estético. E ainda acham estranho que alguém saia matando 15 pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens.

As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção.

O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nesses três campos : palavra, imagem e som.

Nos dê um exemplo desse trabalho. Como ele é feito, que resultados proporciona?

O Teatro do Oprimido é seguido, por exemplo, pelo MST. Há uns 10 anos, eles fundaram um grupo e quase 30 camponeses vieram conhecer o nosso trabalho. Passamos pra eles tudo que podíamos.

Eles não vieram para consumir uma técnica, mas para receber instrumentos que pudessem usar em suas terras. Essa é também a ideia do Teatro do Oprimido ponto-a-ponto, que difunde o trabalho pelo Brasil. Temos multiplicadores do que fazemos aqui no Rio de Janeiro. Estamos em 16 Estados.

O que significa, para uma organização como o MST, ter grupos de teatro?

Significa ter o direito de tratar de certos assuntos a partir da visão deles, expor uma visão dos acontecimentos que não é aquela dos jornais, que coloca o MST como um bando de brutamontes.

O teatro permite que o pensamento que está por trás do movimento seja exposto, retrabalhado.

Em linhas gerais, qual a sua avaliação do teatro brasileiro hoje?

Existe um mundo de teatros no Brasil. Nunca vi um espetáculo no Amazonas ou no Pará, então não posso avaliar.

O que posso dizer é que a Lei Rouanet assassinou a criatividade do teatro.

Ao transferir do governo, que representa o povo, para as empresas a decisão de onde investir, a Lei substitui o pensamento criativo pelo publicitário. Essa lei tem que acabar.

Muitos produtores dizem exatamente o oposto: se acabar a lei, acaba o teatro.

Não é a verdade. Há muitos grupos produzindo por aí. Esse dinheiro da lei deveria ser transferido para um fundo.

A verba do fundo seria distribuída de acordo com a avaliação de comissões constituídas pela sociedade. A Lei não incentiva companhias como a minha, ou as de Zé Celso (Martinez Corrêa), Antunes Filho, Aderbal (Freire Filho) ou grupos como o Tapa.

Ela só funciona para projetos isolados, individualistas. Se eu depender do apoio de uma empresa de macarrão, como vou produzir uma peça como Ralé, de Gorki, que fala sobre a fome?

Qual a sua avaliação do Ministério da Cultura?

Desde que o Gilberto Gil assumiu, temos, pela primeira vez, um Ministério da Cultura. Antes, até houve pessoas interessantes na pasta, mas nunca um Ministério de fato.

Também acho que, pela primeira vez, deixou-se de pensar em cultura apenas como erudição, no sentido dos grandes clássicos literários, dos grandes pintores. O governo indicou que o Brasil deveria se apropriar do que já existia, daquilo que o povo faz.

A cultura não é apenas o que o povo consome, é também o que o povo produz. Os pontos de cultura são isso, eles apoiam o que já existia.

O Teatro do Oprimido também foi beneficiado, não?

Sim, e o Gil disse até que servimos de inspiração para os pontos de cultura. Mas também trabalhamos com outros Ministérios, como Educação e Saúde.

Fizemos um trabalho em escolas de cinco cidades, nas proximidades do Rio, e vimos o poder de transformação que o teatro exerceu sobre os alunos.

Nos dê um exemplo dessa transformação proporcionada pelo teatro.

No caso dos hospitais psiquiátricos, há uma diminuição absurda no consumo de medicamentos. Trabalhamos com a saúde e não com a doença mental.

Procuramos ativar a parte saudável do cérebro doente, estimulá-lo no que tem de vivo e criativo. Com isso, o teatro é capaz de devolver ao convívio social alguém que tinha se isolado. Nas comunidades carentes acontece o mesmo.

Os programas populares da televisão são um massacre, impedem que as pessoas percebam o que está dentro delas. Elas apenas consomem o que lhes é imposto. O Teatro do Oprimido procura ajudá-las a encontrar seus próprios meios de expressão.

Que episódios, nessas andanças, mostraram ao senhor o sentido do seu trabalho?

Vários. Me lembro de um presídio, no interior de São Paulo, que funcionava como um leprosário. A população da cidade queria o isolamento total daqueles presos.

Resolvemos fazer uma peça de teatro, com os presos, no meio de uma praça pública, e um morador era chamado para entrar em cena. Isso amenizou aquela relação conflituosa e violenta.

Também de lembro de um preso, que era engraçado, e, numa cena, fez uma menina de 10 anos rir. A menina foi elogiá-lo. Ele se vira pra mim e diz: “É a primeira vez na minha vida que alguém me diz que eu sirvo para a alguma coisa”.

O senhor receberá, na França, uma homenagem da Unesco. Aqui no Brasil o senhor se considera reconhecido?

Sou reconhecido no meu trabalho, mas pela mídia, não. A imprensa só se interessaria pelo nosso grupo se formássemos três bailarinos que fossem dançar no Bolshoi.

A mídia gosta de campeões. Campeão de Fórmula 1, filme campeão de bilheteria, qualquer coisa que chegue na frente, que represente a vitória. Mas o ser humano não é cavalo de corrida.

Nos anos 1950, o senhor fez parte do Teatro de Arena, que teve grande projeção e, ao seguir o caminho do Teatro do Oprimido, mudou o rumo da sua carreira. Foi consciente essa escolha?

Totalmente. A escolha individualista nunca esteve no meu horizonte.

Quando era pequeno e trabalhava na padaria do meu pai, eu via aqueles operários que passavam o dia com um pão com manteiga e uma média e pensava: “Isso não pode continuar assim”. Eu acredito na solidariedade.

Estou com 78 anos. Isso é muito tempo. Foi outro dia que nasci e não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria.

Mas, mesmo com todas as dificuldades, o Teatro do Oprimido me realizou.

Cidadão não é aquele que vive em sociedade, cidadão é aquele que transforma. E acredito que o Teatro do Oprimido tenha deixado alguma coisa para o mundo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Domingos de Oliveira

Alguns pensamentos escolhidos lúcida e generosamente pela nossa querida companheira Glauce do livro “Do Tamanho da Vida”. A escolha é oportuna. Aconselho a leitura de cada um deles dez vezes, ou até entendê-los. E aplausos para a brava Glauce.
(Domingos Oliveira, em seu blog)



"Apenas o coração traz a genialidade. A qualidade básica do ator é, sem dúvida, sua generosidade."

“A posição do ator diante do diretor deve ser a daquele que soma. Se o diretor um dia indica certo caminho e, num outro dia, indica, com igual ênfase, um caminho que conflitua com aquele... o ator só tem a ganhar com isso. Não significa incoerência do diretor. Somente um ator burro pode ficar incomodado com isso. Significa apenas que a cena pode ser enfrentada por caminhos conflitantes! Se o ator souber somá-los, melhor para ele! A alma do ator deve ser como uma bolsa mágica, onde tudo cabe. Jamais a divisão ou a subtração. A soma! A multiplicação!” "

Uma vez Fernanda Montenegro me disse: ' Domingos, quando você estiver em cena, escolha uma coisa para fazer. Não importa muito o que você escolhe. Mas faça aquilo até o fim, às últimas conseqüências, ao perigo: Quem não gostar é porque não entendeu!'Jamais recebi um conselho tão sábio. Como grande atriz, Fernanda sabe que não há lugar no palco para meios-termos, dúvidas, timidez. Que é preciso ocupar a alma com algo radical que guie todo o resto. Algo tão forte que nos defenda da autocrítica e do vendaval de energias que provirá da platéia... Não importa o tamanho do papel, ou sua importância dramatúrgica dentro da peça. Quando um ator entra em cena, ele é o personagem principal. "

" (...) tenho por fé que o decorar um texto deva ser na verdade um mergulho profundo, um retorno ao mundo do autor, daquele que escreveu as linhas. Quando o autor escreveu, não precisou decorar. Aquelas palavras saíram dele por algum motivo. Os atores devem tentar reproduzir o próprio processo de pensamento do autor... Assim, o texto estará em nossas bocas e consciências verdadeiramente, de modo inevitável, como o autor escreveu. E assim, elevados através desse tipo de abordagem ao nível de autor, podem os atores começar seu verdadeiro trabalho."

Teatro é uma coisa séria, para gente séria.

" Ziembinski me disse uma vez que a “boa vontade” é um dos valores mais importantes do teatro. Realmente. Quando uma equipe de atores colabora em cena, tendo prazer em representar, ajudando o colega, de coração aberto para a platéia, cria um sentimento tão belo que ele é em si o espetáculo. "

" Nenhum espetáculo de teatro é mais bonito do que aquilo que acontece detrás do pano. Porque mais bonito que o teatro é o espírito do teatro."

" Todo mundo quer ser ator. Mas pouca gente pode ser ator. Ator de teatro em particular. Não porque sejam necessários dotes especialíssimos, mas porque pouca gente ama o teatro a ponto de poder ser um ator. "

"São raros os atores que propõem a si mesmos emoções ou pensamentos que não podem entender. Emoções e sentimentos de ordem inconsciente. Toda grande interpretação repousa no inconsciente. A inteligência, toda a inteligência, é indispensável, mas vale pouco. O ator tem valor se for louco. Louco sob absoluto controle. E, de novo, são poucos os que não temem. Liberar a própria loucura faz bem à saúde e não enlouquece ninguém."

" Coerência é um valor antigo. O direito à incoerência deve ser dos primeiros reivindicados pelo artista. Qualquer homem inteligente é incoerente. A coerência é apenas um exercício de uma inteligência essencialmente incoerente."

"Contar bem a história é a obrigação mínima."

" Mas um ator não sobe ao palco para ser amado; esta é uma gratificação secundária. Sobe ao palco para amar."

" O corpo é apenas o instrumento da alma. Esta, sim, deve ser aquecida antes do ensaio. Diante da lareira dos grandes sentimentos."

" Um ensaio de teatro deve ser um ato teatral. A partir do momento em que chegamos lá até o momento de ir embora, todo o nosso comportamento deve ser teatral. Alguém que assiste ao ensaio deve sair com a sensação de ter visto uma grande peça, cujo assunto é um ensaio de uma peça de teatro."

"A luz e a trilha musical são partes muito trabalhosas e delicadas de uma montagem teatral. Tão importantes quanto o cenário e o figurino, para dizer o mínimo. Depois do turbilhão do impacto que os atores e as demais realidades cênicas impõem à primeira concepção do diretor, é fazendo a trilha, e depois a luz, que sentimos o primeiro retorno ao precioso silêncio autoral. "

"Num ensaio de teatro e, posteriormente, na representação, tudo deve ser incorporado. Qualquer incidente inesperado, qualquer circunstância externa momentânea ou (principalmente) os estados de espírito dos colegas servem fortemente como fontes de criação."

"O valor de nosso trabalho não depende da opinião dos outros. Faremos tudo para que eles gostem, sem dúvida. Mas se não gostarem é porque não entenderam. Posto que representaremos com prazer, mãos estendidas e coração aberto. A boa intenção é tudo que se pode exigir no teatro."

" O ator é o espetáculo de si mesmo. Por mais diferentes que sejam os personagens que representa, o espetáculo que a platéia vê é a alma do ator por detrás do personagem. Por isso, o teatro é uma arte formidável. Somente grandes almas dão grandes espetáculos."

(Domingos Oliveira, em 'Do Tamanho da Vida')

segunda-feira, 9 de março de 2009

Carlos Lessa - Crise: Rumos e Verdades

Se realizou de 7 a 11 deste mês, em Curitiba, o seminário Crise: Rumos e Verdades, que reuniu quase 40 especialistas, sendo 20 brasileiros e os demais argentinos, equatorianos, venezuelanos, ingleses, italianos, russos, mexicanos e alemães. Quero destacar alguns pontos quase consensuais entre os participantes.

A crise mundial foi considerada uma crise histórica, ou seja, daquelas que, uma vez superadas, dão origem a novas configurações culturais, econômicas e políticas. Todos concordaram que se tratava da maior queima de valores da experiência capitalista.

Uma bolha se forma sob certas condições e cresce até se romper. A bolha do subprime pareceu alimentar, no seu interior, uma construção quase impossível, aonde, sob uma base de US$ 60 trilhões da soma dos PIBs de todos os países do mundo, se ergueu uma estrutura financeira com US$ 130 bilhões de ativos financeiros primários e 540 trilhões de derivativos. Se supusermos a economia real a base sob a qual se construiu um “castelo de cartas”, de múltiplos andares, grande complexidade, circulação rápida por caminhos “normais” e por estranhos percursos negociados com o nome genérico de “produtos”. Protegido pela bolha, as cartas do edifício eram coladas pela sólida confiança do chamado sistema financeiro mundial. A dissolução da bolha é acompanhada pela desmontagem do edifício, onde a “super cola” da confiança é substituída pela desconfiança recíproca e pela preferência pela liquidez. As cartas que vão caindo são ativos financeiros que se carbonizam.

Tudo leva a crer que continuarão a cair valores e não há previsão de quando se encerra este processo autofágico. A bolha, ao explodir, atinge todas as economias do espaço-mundo. No Brasil, inspirou ampliação das remessas das filiais para as matrizes aflitas; realização de aplicações de estrangeiros em valores brasileiros, gerando pressão cambial; desabamento do preço das commodities brasileiras; crise de crédito para bancos e grandes empresas que compunham funding com empréstimos de bancos do exterior.

Nossa moeda vive um momento de intensa volatilidade e torna impossível o cálculo econômico. A solvência de empresas brasileiras está abalada por grandes perdas. Sadia, Aracruz Celulose e Grupo Votorantim, por alguns balanços já divulgados, registram perdas dos lucros do balanço operacional dissipadas por perdas não-operacionais derivadas de jogos financeiros. Este aprece ser também o caso da CSN. Na crise da agricultura do Centro-Oeste, há uma forte componente com perdas especulativas no jogo de derivativos ligado ao mercado de futuros. Em resumo, a súbita inversão da taxa de câmbio impôs prejuízo às empresas que apostavam na valorização do real. Pela versão interna de crise de crédito, houve uma brutal elevação de juros; o capital de giro para empresas subiu de 2,02 a.m. para 3,20 a.m.; o empréstimo pessoal atingiu 6,15% a.m.; o cheque especial pratica 9,24% a.m. Continuamos, pela última decisão do Copom, campeões mundiais da taxa de juros real. Paulo Skaf, presidente da FIESP, em 17/11, declarou: “Estes juros que estão sendo cobrados são um catalisador para a crise”. Com lentes diferentes, Fábio Barbosa, presidente da FEBRABAN, afirma, em 26/11, que “o mercado está, pouco a pouco, retomando sua normalidade”.

O Brasil, hoje, dispõe de alguns recursos estratégicos para lidar com a crise. O principal deles são os US$ 200 bilhões de nossas reservas cambiais. Paira, entretanto, sobre este escudo, uma caixa-preta. Prevalece uma forte obscuridade em relação às articulações entre as empresas no Brasil e o cenário financeiro mundial – e é especialmente opaca nossa relação com SPEs, paraísos fiscais e derivativos intermediados por bancos estrangeiros. Dado o tamanho do passivo externo líquido superior a US$ 500 bilhões, não estamos a salvo de um ataque especulativo ao real. Deveríamos centralizar todas as operações cambiais no Banco do Brasil, dando um prazo para que todas as entidades (empresas ou pessoas físicas) registrassem seus haveres e deveres em moedas estrangeiras e participação em operações com derivativos. O Banco Central administraria um orçamento de câmbio realista. Esta seria a nossa operação de desrespeito ao Consenso de Washington. Na perspectiva brasileira, a crise da globalização instala um clima de economia de guerra e o nosso escudo protetor de US$ 200 bilhões é essencial para o futuro da nação brasileira.

De longa data, o devedor pessoa física é o preferido pelos bancos; tanto no pagamento de carnês de compras a prestação como nos cartões é bom pagador. Assume o débito pelo valor da prestação, aceita a tabela price e não considera o juro implícito na prestação (como vimos, paga no crédito especial 9,24 a.m.). Os bancos operam crédito a pessoa física com o risco reduzido, principalmente pela modalidade de crédito consignado ou desconto em folha. A família popular com baixa renda é ótima pagadora, pois percebe no estigma do SPC um veto à acumulação patrimonial. Na verdade, o bem de consumo durável ocupa um duplo espaço de patrimônio e objeto doméstico; qualquer família pobre sabe que seu eletrodoméstico é sua garantia num momento de dificuldade financeira. Este devedor pobre, muitos sem renda fixa, participou de uma expansão acelerada de endividamento. Sua propensão a se endividar foi estimulada pelo aumento de renda e pela sensação de segurança e progresso derivada da Bolsa Família e da queda de preço dos alimentos em 2005-6.

Esta situação inspira preocupação em José Castro, vice-presidente da AEB: “Se houver prolongamento da recessão internacional, o impacto no emprego poderá elevar a inadimplência, determinando um ciclo negativo na economia brasileira. (...) Nos últimos anos, o crédito no mercado interno cresceu a taxas elevadíssimas. Se houver demissões, além da retração interna, teremos problemas sérios. Crédito consignado tem prazo longo e, se houver explosão de inadimplência, poderemos ter um subprime tupiniquim”. Creio que Castro olha com temor o financiamento de veículos em 90 prestações sem entrada.

O Seminário Crise: Rumos e Verdades registrou, com reocupação, a existência de uma bolha tupiniquim, pequena em relação à crise da globalização, porém com repercussões extremamente perversas no corpo social brasileiro. A prevenção passa por reassumir os controles sobre os mecanismos da política econômica. Como bem advertiu César Benjamin: “É melhor estar preparado para piores cenários do que ser surpreendido por eles”.

domingo, 1 de fevereiro de 2009


3 x Hilda Hilst

I - Filó, A Fadinha Lésbica.
Poema de Hilda Hilst

Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe “Filó, a lésbica fadinha”.
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.
Bulia, beliscava
Como quem sabia
O que um dedo faz
Desce que nascia.
Mas à noite... quando dormia...
Peidava, rugia... e...
Nascia-lhe um bastão grosso
De início igual a um caroço
Depois...
Ia estufando, crescendo
E virava um troço
Lilás
Fúcsia
Bordô
Ninguém sabia a cô do troço
da Fadinha Filó.
Faziam fila na Vila.
Falada “Vila do Troço”.
Famosa nas Oropa
Oiapoc ao Chuí
Todo mundo tomava
Um bastão no oiti.
Era um gozo gozoso
Trevoso, gostoso
Um arrepião nos meio!
Mocinhas, marmanjões
Ressecadas velhinhas
Todo mundo gemia e chorava
De pura alegria
Na Vila do Troço.
Até que um belo dia...
Um cara troncudão
Com focinho de tira
De beiço bordô, fúcsia ou maravilha
(ninguém sabia o nome daquela cô)
Seqüestrou Fadinha
E foi morar na Ilha.
Nem barco, nem ponte
o troncudão nadando feito rinoceronte
Carregava Fadinha.
De pernas abertas
Nas costas do gigante
Pela primeira vez
Na sua vidinha
Filó estrebuchava
Revirando os óinho
Enquanto veloz veloz
O troncudão nadava.
A Vila do Troço
Ficou triste, vazia
Sorumbática, tétrica
Pois nunca mais se viu
Filó, a Fadinha lésbica
Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúcsia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô.
E nunca mais se viu
Alguém-Fantasia
Que deixava uma estrela
Em tudo que tocava
E um rombo na bunda
De quem se apaixonava.

Moral da estória, em relação à Fadinha: Quando menos se espera, tudo reverbera.
Moral da estória, em relação ao morador da Vila do Troço: Não acredite em fadinhas. Muito menos com cacete. Ou somem feito andorinhas. Ou te deixam cacoetes.

Extraído de BUFÓLICAS. 


II - O Poeta Inventa Viagem,Retorno e Morre de Saudade

Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver.
(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade - I )
(Poesia: 1959 - 1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)

III - OSMO 

sábado, 31 de janeiro de 2009


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I- A Racionalização das Emoções- Anais Nin
O ponto de vista feminino tem sido muito mais difícil de expressar que o masculino. Se assim me posso exprimir, o ponto de vista feminino não passa pela racionalização por que o intelecto do homem faz passar os seus sentimentos. A mulher pensa emocionalmente; a sua visão baseia-se na intuição. Por exemplo, ela
pode ter um sentimento em relação a qualquer coisa que nem sequer é capaz de
articular. A princípio, achei extremamente difícil descrever como me sentia. Porém, se fazemos psicanálise, a questão é sempre: «Como é que se sentiu em relação a
isso?» e não «O que é que pensou?» E como muito frequentemente a mulher não deu o segundo passo, que é explicar a sua intuição - por que passos lá chegou, o a-b-c daquilo - ela não consegue ser tão articulada. Ora eu tentei fazer isso (quer tenha conseguido quer não), e, porque estava a escrever um diário que pensava que ninguém leria, consegui anotar o que sentia acerca das pessoas ou o que sentia acerca do que via sem o segundo processo. O segundo processo veio através da psicanálise, que era igualmente um método de comunicar com o homem em termos de uma racionalização das nossas emoções de modo que pareçam fazer sentido ao intelecto masculino. Por isso existe uma diferença, penso eu, que é muito profunda, mas que está a começar a desaparecer. Com efeito, penso que, quando a geração mais jovem passa por qualquer experiência psicanalítica descobre que os sonhos dos homens e das mulheres são os mesmos, o inconsciente é universal, e que aí as coisas brotam do sentimento e do instinto e não passaram pelo processo de racionalização, e portanto este é um ponto de vista feminino.

II- Tornamo-nos Mais Objectivos Depois de Reconhecermos a Nossa Subjectividade
Toda a arte da psicologia ou da ciência da psicologia, se lhe quisermos chamar assim, é baseada numa inversão do processo de objectividade. Não que não possamos tornar-nos objectivos, mas que apenas possamos tornar-nos objectivos depois de termos confrontado as nossas atitudes não objectivas, as nossas atitudes não racionais. Atingir uma objectividade honesta significa termos de saber quais os pontos da nossa natureza que são propensos a determinado reconceito, que parte de nós é defensiva, que parte de nós distorce o que ouvimos. E é necessária uma tremenda auto-honestidade para começar a remover essas distorções e a clarificar a nossa visão. De modo que só podemos atingir a
objectividade depois de termos descoberto quais as áreas da nossa psique que não são objectivas.
Além disso, o reconhecimento básico da psicologia é que, lá bem no íntimo, a maior parte da nossa vida é desconhecida da mente consciente e que, quanto mais nos tornamos consciente dela, mais honestos e mais objectivos nos podemos tornar. Nós não vemos os outros com clareza, e o que obscurece a nossa visão são os preconceitos que a pessoa supostamente objectiva se recusa a reconhecer. Uma pessoa objectiva diria que não é responsável pela guerra, mas uma pessoa que sabe psicologia sabe que cada um de nós é responsável porque cada um de nós tem sempre uma área de hostilidade, que depois é projectada para hostilidades colectivas mais vastas.

[Anais_Nin.jpg]
(…) Se me encontro perto de ti, o meu ser não se contrai nem se arrepia. A fadiga terrível que me consome abranda.(…)Uma fadiga dos sentimentos, do fervor dos meus sonhos, da febre das ideias, da intensidade das minhas alucinações.Uma fadiga do sofrimento dos outros e do meu.Sinto o meu próprio sangue trovejar dentro de mim e o horror de tombar dentro dos abismos.Mas se caírmos juntos, eu e tu, não hei-de ter medo.Cairemos nos abismos, mas tu levarás as tuas fosforescências até ao fundo mais ao fundo.Podemos tombar juntos e juntos subir nos espaço.Eu estava completamente exausta por causa dos meus sonhos,não pelos sonhos mas pelo medo de não ser capaz de regressar.Desnecessário regressar,agora.Hei-de encontrar-te em toda a parte aonde fôr, nas mesmas misteriosas regiões.Tu também conheces a linguagem e os pressentimentos dos nervos.Tu hás-de saber sempre o que estou a dizer, ainda que não o diga.
Anais Nin
''Não vimos as coisas como elas são, mas como nós somos”