quinta-feira, 25 de junho de 2009

Pasolini


"O teatro que esperamos, inclusive o mais absolutamente novo, não poderá ser nunca o teatro que esperamos. De fato se esperamos um novo teatro, esperamos necessariamente dentro das idéias que já temos, além disso, aquilo que esperamos, de alguma forma já está aí.

A Quem se Destina

Os destinatários desse novo teatro não serão os burgueses, (que vão ao teatro para divertir-se e que, às vezes, escandalizam-se) e sim, os grupos avançados da burguesia constituídos pelos poucos intelectuais realmente interessados em cultura: progressistas de esquerda, sobreviventes do laicismo liberal e radicais. Esses grupos avançados nem se divertirão e nem se escandalizarão, já que são em tudo semelhantes ao autor. Essa classificação é e pretende ser esquemática e terrorista.

A uma senhora que freqüente os teatros da cidade, se aconselha calorosamente que não assista às representações do novo teatro. Ou, caso se apresente com seu simbólico, patético, casaco de vison se encontrará na entrada um cartaz explicando que as senhoras com casaco de vison deverão pagar um preço trinta vezes maior que o preço normal. Nesse mesmo cartaz, ao contrário, estará escrito que jovens fascistas menores de vinte e cinco anos poderão entrar de graça. Além disso, pediremos também que não aplaudam. Vaias e demais provas de desaprovação serão admitidas.

O Teatro de Palavra

O novo teatro quer definir-se como Teatro de Palavra. Incompatibiliza-se tanto com o teatro tradicional como com todo tipo de contestação ao teatro tradicional. Remete-se explicitamente ao teatro da democracia ateniense, saltando completamente toda a tradição do teatro burguês, e porque não dizer a inteira tradição moderna do teatro renascentista e de Shakespeare. Espera-se do espectador mais o escutar que o ver. As personagens são idéias a serem ouvidas.

Destinatários e Espectadores

Acreditamos que os grupos avançados de cultura já podem constituir-se numericamente em um público, produzindo o seu próprio teatro. Estabelecendo assim, na relação entre autor e espectador, um feito único na história do teatro, pelas seguintes razões:

1- É um teatro possibilitado, solicitado e desfrutado no círculo cultural dos grupos avançados de cultura.

2- Representa o único caminho para o renascimento do teatro num país onde a burguesia é incapaz de produzir um teatro provinciano e acadêmico, e onde a classe operária é absolutamente alheia a esse tipo de problema.

3- É o único que pode chegar, não por determinação ou por retórica, à classe operária. Já que esta se encontra de fato unida por uma relação direta com os intelectuais avançados.

A que se opõe o Teatro de Palavra

O Teatro de Palavra opõe-se ao teatro de falatório (tradicional) e ao teatro do gesto e do grito (não tradicional). Desta dupla oposição nasce uma das principais características do Teatro de Palavra: a ausência quase total de ação cênica, desaparecendo aí quase totalmente portanto, a encenação. Reduzindo todos os seus elementos (luz, cenário, figurino, etc...) ao indispensável. Não deixará de ser entretanto uma forma de rito ( ainda que jamais experimentada ). Seu rito não pode ser definido de outro modo que RITO CULTURAL.

O Ator do Teatro de Palavra

O ator do Teatro de Palavra não terá que sustentar sua habilidade no atrativo pessoal (teatro tradicional), ou em uma espécie de força histérica e messiânica (teatro não tradicional), explorando demagogicamente o desejo de espetáculo do espectador (teatro tradicional), ou enganando o espectador mediante a imposição implícita de fazê-lo participar de um rito sacral (teatro não tradicional). Terá que sustentar sua habilidade em sua capacidade para compreender realmente o texto e ser assim, veículo vivo do próprio texto. Será melhor ator quanto mais o espectador, ao ouvi-lo dizer o texto, compreenda o que o ator compreendeu. O ator do Teatro de Palavra terá que ser simplesmente um homem de cultura.

Epílogo

O Teatro de Palavra é um teatro completamente novo, porque se dirige a um novo tipo de público.

O Teatro de Palavra não tem nenhum interesse espetacular, mundano, etc... Seu único interesse é o cultural, comum ao autor, aos atores e aos espectadores, que portanto, quando de reúnem, cumprem um RITO CULTURAL."

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Geraldo Sarno





'O cinema é a matriz da linguagem audiovisual. E a linguagem audiovisual é a linguagem do mundo contemporâneo. Ela se estendeu a todos os campos da vida social: está na ciência, no lazer, nas artes. É fundamental para o exercício político - porque é através dela que se exerce o poder político e as escolhas políticas. É essencial para a soberania das nações e em casos de guerra.

O audiovisual invadiu nossa vida. Só que sua matriz cultural é o cinema, que durante 100 anos de existência armazenou um acervo de imagens e de pensamentos sobre essas imagens e sobre o mundo. A linguagem cinematográfica exprimiu o humano a um nível semelhante ao do exercício de outras artes, assim como ao nível da filosofia.

No mundo contemporâneo, embora a linguagem audiovisual seja a mais extensiva da sociedade, ela é muito pouco conhecida e estudada. Costumo dizer que vivemos um analfabetismo audiovisual. As pessoas pensam que compreendem o que vêem, apenas porque sabem ver. Mas, para entender, é preciso ter um pouco de base cultural.

A televisão comercial, como é feita hoje, não oferece um acúmulo de conhecimentos do audiovisual. Ao contrário, ela dispersa a linguagem. Uma pessoa pode assistir a programas de televisão dez horas por dia, durante dez anos, e nem por isso ela se tornará mais culta. Mas, se ela passar o mesmo período lendo (bons) livros e assistindo ao (bom) cinema, sem dúvida terá mais condições para elaborar pensamentos sobre o mundo em que vive. Porque o cinema e a literatura têm linguagens que sensibilizam e estimulam a pensar.

E sem pensamento, não há civilização.

Pensar é um prazer que tem de ser buscado. A vida te obriga a pensar, mas o pensar cultural filosófico, esse não é dado de graça a ninguém. É preciso buscá-lo. O cinema brasileiro buscou pensar o Brasil, desde o cinema mudo. O cinema proporciona reflexões sobre, por exemplo, qual é a identidade brasileira.

Com todas as dificuldades de um país periférico, nós estamos conseguindo nos livrar das nossas limitações. E encontramos uma forma inteligente de utilizar a linguagem (ou as linguagens) do cinema.'

Escrito em 18/03/03