Lourinelson disse : a poesia está ligada ao humano por um laço de tipo atávico - eu diria um atavismo cultural: está no início da linguagem
O projeto trata disto. De mostrar de algum modo que há sim um abismo entre poesia e educação formal mas que é fácil, apesar do buraco, mudar isto e recolocar a enunciação de textos como uma atividade prazerosa humana, comum, cotidiana, e então – aqui o papo começa a esquentar – política (porque o fato de se ter-se perdido a hábito de entoar discursos, de discursar, é um fato funesto para a cidade, para pólis, para a política)
Julio disse: estudo o abismo da linguagem no meu mestrado
e realmente, faz mto sentido isso q vc faz
Lourinelson disse: a tese é que por conta deste atavismo-cultural basta mexer no ponto certo e o humano-animal passa a entoar discursos veementes
Lourinelson disse: fale 5 linhas sobre abismo da linguagem
Julio disse: é impossível reproduzir a realidade - o que a gente sente, o que processamos, nossa sintonia com o divino, etc, é indizível. Quando tentamos comunicar para alguem o que sentimos, escolhemos uma palavra, mas as palavras não sao suficientes para abranger o real. são incompletas. a poesia, arte, etc, são maneiras de se aproximar desse indizível, mas há um abismo entre o Real e a língua.
* * *
Segue texto – improviso - sobre a veemência como atavismo-cultural que está na origem da récita, e no gosto facilmente estimulável de recitar – de dizer com fluência (um modo estético de veemência). Em suma a aposta é: a poesia está no gene. Já está introjetada no homem como uma estrutura elementar da linguagem. A um só tempo elementar e a mais sofisticada.
grande abraço
louri
Sobre as relações entre justiça, veemência, linguagem, grunhidos, melopeia e discurso – primatas, poetas, narradores-atores e advogados-magistrados.
Tomar um papel – o advogado quando atua toma para si um discurso, cujo fundamento é uma idéia de justiça. Quando tomado por essa ideia – que é o contra fluxo estético da ação intelectual (estética-ética) de assumir uma causa – enfim, quando se estabelece nele uma idéia de justiça de sua causa, o humano (humano-animal) se insufla de uma voz grandiloquente, corrente, flutissonante que é o discurso. O magistrado opera seu discurso de modo semelhante apenas que sua causa é mais genérica, a justiça em si.
A personagem - O Discurso de qualquer personagem - de um poema dramático, ou de um drama -, funda-se sempre também numa idéia de justiça. Toda a diferença entre o ator e o advogado-magistrado está no ator emprestar o seu corpo ao discurso, colá-lo a ele. O Advogado toma o discurso e advoga; do mesmo modo descolado pelo qual o Narrador narra. Mas o narrador quando imita o personagem e lhe empresta seu corpo – do calcanhar ao tom da voz, dá um passo adiante na brincadeira, no jogo, e então está Ator (narrador-ator): que além de tomar o discurso o atualiza - atua
O Narrador narra, conta a injustiça.
O Ator atualiza, mostra a injustiça
E o Advogado atua também, por que seu discurso sobre a dor se processa no tempo real do “fazer justiça” (que implica narrar a dor, mostrar a injustiça e pedir que seja reparada, pedir justiça, e neste sentido atualizá-la também, torná-la, fazê-la presente).
É justamente quando mostra a injustiça e clama por justiça que o advogado atua no próprio corpo um discurso.
O advogado trabalha a mesma matéria do ator: a enunciação de um discurso; não imita, é verdade, mas do mesmo modo que o ator atualiza no corpo uma idéia de justiça. Sem essa idéia forte, articulada com o aparato técnico-jurídico que dominar, o advogado não é capaz de ser convincente, do mesmo modo que o ator não o é quando desprovido da ideia de justiça de seu personagem.
(Não é atoa que o sujeito meticuloso como o Antunes filho quanto ao estar do ator em cena, confere tanta importância e tempo de curso no seu CPT no trato da Retórica).
(Tudo que se disse do advogado se aplica com ao magistrado, com peculiaridades.)
*
Quanto ao recitar poemas:
A veemência é o elemento do discurso cuja idéia de justiça é forte. Mesmo o homem das cavernas podia ser bem veemente a propósito e uma dor qualquer: injusta – a dor é a mãe da sensação de injustiça. A idéia de justiça é sempre a reação a sensação de injustiça. Uma dor que lhe impingem e que não cabe a você sentir como pessoa ou grupo. Uma dor que você ou o seu grupo sentem mas um outro ou outro grupo não. Uma desigualdade, portanto. Para que todos sintam a mesma dor, ou nenhuma, há duas modos: o bárbaro - você à impinge aos outros, ou o civilizado, você a narra aos outros, argumenta a desmedida e pede justiça, em uma palavra faz um discurso. A forma de fazer este discurso também viria. Os grunhidos para os demais primatas do seu grupo sobre como roubaram o fogo enquanto todos estavam fora deve ser veemente para comunicar o trágico acontecimento. É provável que você primata use gestos e empreste seu corpo inteiro para tal, de modo que fique bem claro como foi que o outro grupo chegou, enquanto vocês foram caçar, e eu junto com as mulheres cuidava do fogo, o grupo chegou, muitos no grupo. Barulho, dentes, apontaram para o fogo, me empurraram; disse que era meu; que era nosso. Me empurraram. Levaram o fogo, estupraram mulheres, levaram mulheres. Mataram crianças.
Um discurso sobre uma dor. Veemente como linguagem, mesmo que grunhida.
Então dizer poemas está ligado à humanidade desde seus primórdios. O poema apenas é a forma mais excelente de se dispor palavras em sons e pausas – o poema é o antípoda high tech do primeiros grunhidos. Alta tecnologia comunicacional – hi-homero.
Dizer poemas re-toca neste lugar antiquíssimo, passagem entre o animal e a humanidade: ser veemente emitindo sons (proto-palavras) está na origem dá récita porque o lugar é o mesmo: fazer um discurso veemente sobre um dor.
Assim h
A poesia, cuja matéria sensível/sensibilizante é a melopeia, tem o mesmo fundamento dos grunhidos do humanoide que por uma proto-melopéia, comunicava - narrava e atuava - o roubo do fogo, o estupro das mulheres, a morte dos velhos, a guerra.
Vão grifados, os versos de Camões em Os Lusiadas:
Dai-meu uma fúria grande e sonorosa
e não de agreste avena ou frauta ruda
mas de tuba sonora e belicosa
que o peito acende e a cor ao gesto muda.
Questão: E o cantor? o cantor estaria, quanto à relação com o texto/discurso, num modo intermediário entre o advogado e o ator? É curiosa a palavra:'defende' a canção. Aqui 'atua' como o advogado que defende a causa. Por outra o cantor empresta seu corpo num grau mais elevado que o advogado, por permissivo de outros engendramentos corporais (como a dança), obviamente estranhos à tribuna.
O cantor num outro ramo do rizoma - cultura de enunciação da palavra, cujo marco fundador talvez a primeira manifestação grunhida (proto-melopeica) de uma dor, e de um pedido de justiça.
A expressão humana em si, nestas hipoteses, estaria essencialmente fundada no dor/glória injustiça/justiça.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
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